quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Diário 1

Hoje decido que vou começar uma nova vida. Primeiro, vou aprender a chorar. A chorar a sério, não aquelas lágrimas de crocodilo que costumo lançar ocasionalmente, quando a vida não me corre bem. Chorar a sério, como quando chorei ao colo da minha mãe, no dia em que ele me disse (embora por outras palavras, nada concretas) que não me amava. Nem hoje, sabendo que ele ama outra pessoa, sabendo que está prestes a estar com ela, me dói tanto como naquela noite me doeu a negação dele em falar comigo. “Não te queria estragar o dia de aniversário”. Estragaste-o, de alguma forma, quando disseste “mereces alguém melhor que eu”. Isso é o típico cliché para quando um tipo não sabe como dizer à miúda “não te quero”. Mas o ouvir o “não” é fácil, mais fácil que aquilo que me fizeste. Encaixa melhor resolver a história ao vivo e a cores. E a história faz-se de momentos, momentos em que as pessoas falam, sussurram, decidem, fogem, temem. Não se faz de momentos em que fugimos dos momentos. Isso é apagar qualquer rasto marcante, ou positivamente marcante, que se possa ter. Mas a tua mensagem hoje não me fez chorar. Fez-me engolir todas as lágrimas que chorei por ti, pois foram inúteis, tu nunca as mereceste, nunca fizeste um esforço para as merecer. Nunca tiveste a coragem de me chamar e dizer as coisas pelos nomes. Nunca quiseste falar comigo. Eu implorei-te tantas vezes, “não digas coisas agradáveis, mas diz”, e tu sempre te remeteste ao silêncio. Esse silêncio que cavou o fosso gigantesco que há entre nós dois, agora e sempre. Adquiriste um peso na minha vida a que nunca tiveste direito, e que eu, erradamente, te dei. Sim, porque o erro maior foi meu; a carne é fraca, e tal alma seguindo a luz, segui-te, respeitando o que o meu coração ordenava. O coração é mau conselheiro, eu sei, mas desta vez resolvi ouvi-lo. E dei-me mal. Devia ter mantido a distância que nos faz ser insensíveis, mas ao mesmo tempo quase imortais, intocáveis, idolatráveis. Gostar de ti fez com que os outros me vissem como humana. Eu, figura habituada a habitar neste Olimpo só meu, intocável, gélida e perfeitamente insensível aos avanços do coração. Saí derrotada, pois o meu maior pecado, meu caro, não é a ira, é a soberba. Tive de engolir o meu orgulho e admitir que sofri e sei o que é sofrer por amor. Como posso agora voltar a subir para o pedestal, meu amor? Derrubaste-me, e eu não tenho ajuda para subir, pois ninguém no seu perfeito juízo vai ajudar outro a ser seu superior. Choca-te saber que eu me achava superior? Calma, nunca inferiorizei ou humilhei ninguém, pelo menos ninguém que não o merecesse, mas tinha aquela aura de dama intocável, a quem o tempo passa, mas nada muda.
Eu gostava quando era assim.
Decidi mudar de vida.
Decidi que quero voltar ao pedestal, mas vou ter de fazer a longa caminhada, de novo, sozinha. E para isso preciso que te afastes; cada centímetro de proximidade de ti, é cada centímetro que estou mais longe da minha auto-estima, que tanto quero recuperar. É esse o meu (nosso) pedestal, o de acharmos que somos o máximo, sem excluir a possibilidade de que os outros também o poderão ser.
Chorar como naquela noite, véspera dos meus 26 anos, em que chorei um rio, como há anos não o fazia. Foi nessa noite que me apercebi que nunca irias gostar de mim. Nunca me amaste verdadeiramente, e sabes que me fizeste crer que isso era possível. A mim, e a todos quantos seguiam a nossa pequena novela.
O zolpidem está a começar a surtir efeito. Eu quero dormir esta noite. Não quero sonhar contigo. Menti à minha amiga, disse-lhe que ia resistir aos fármacos, mas foi com relativa facilidade que tomei o sonífero, e outra coisa qualquer que o médico me receitou, para me acalmar. Nome curioso, topiramato.
Espero que eles não reparem nela. Será uma tremenda humilhação para mim. Ser trocada desta forma… tu não tinhas o direito… não depois do que se passou entre nós… de todas as conversas de cumplicidade, de todos os sussurros, de todos os toques… não podias ter feito isto. Tens razão, és mau. Estou apaixonada por uma pessoa de mau carácter. O que é que é pior? Estar apaixonada por um homem que ama outra pessoa, ou estar apaixonada por um homem que é mau carácter? Ah, já sei, pior mesmo é estar apaixonada por um homem de mau carácter, que ama outra.
Tenho de ir, mal vejo já as teclas.
Abençoados comprimidos.
Vou começar uma nova fase da minha vida.
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