Viajar. Hoje viajei sem ti. Costuma viajar contigo ao meu lado, sem tu saberes, sonhando com o dia em que viajaria, em realidade, comigo. Iamos de comboio até ao verde, eu ensinava-te a ouvir os passos dos esquilos, tu ensinavas-me a relaxar e a sentir a paz à minha volta. No meu sonho, eu recebia mais do que dava. Na verdade, sempre dei mais do que recebi.
Não fosse hoje adormecer cedo à custa de 3 comprimidos diferentes que tomo todas as noites, passaria as mesmas em branco a pensar no que estarias a pensar. É decadente, eu sei, e mortifico-me por isso. Eu, uma mulher tão independente e fria, e calculista, e orgulhosa, deixei-me cair de tal forma, que roça a vergonha. Devia ter vergonha do que penso. E o que penso é muito pior do que isto que escrevo aqui.
E porque escrevo aqui. Porque tenho de o fazer. Tenho de dizer a um mundo cego que sofro, mas não quero ouvir perguntas. Custa-me falar sobre isso, falo porque ninguém mo pede, e isso facilita. Quando estou numa sessão de psicoterapia, as palavras custam-me a sair, é uma obrigatoriedade falar e pensar e sentir. Sinto-me idiota a falar de assuntos idiotas e de soluções idiotas pata aprender a viver num mundo idiota.
Por exemplo, um amigo meu vai dar uma festa. Eu vou. Mas ele – ele, o terrível, tu, o terrível – também vai, mas mais tarde. Vou ter duas horas para me divertir, e depois ir-me embora antes de ele chegar, porque não me quero cruzar com ele. Ora, isto é claramente idiota. A decisão é idiota, a acção é idiota, e o facto de tu ires é uma idiotice pegada. Não me sabes deixar em paz? Pedi tantas vezes para irmos a festas, e a esta vais? Agora, que já nada vale a pena?
És e foste e será sempre um desperdício do meu tempo.